quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Indivíduo e sociedade

 Indivíduo e sociedade


Como conceituar sociedade e indivíduo? Podemos afirmar que os indivíduos determinam a constituição de uma determinada sociedade e vice-e-versa? 


Na perspectiva de Norbert Elias, de maneira geral, são nos apresentado dois modelos conceituais polarizados para definir sociedade e a relação dos seres humanos e a sociedade. Segundo este autor, a formação da sociedade, considerando as duas abordagens conceituais: (1) apresentam as formações sócio-históricas como sendo concebidas, planejadas e criadas, por diversos indivíduos ou organismos. As instituições tais como Estado, Governo, Família foram criadas por indivíduos específicos para atenderem objetivos específicos e de interesse particular. O indivíduo desempenha papel determinante para a criação e manutenção de uma determinada sociedade; (2) o indivíduo não desempenha nenhum papel na constituição de uma determinada sociedade. Esta se desenvolve de forma supra-individual e seus modelos conceituais são extraídos das ciências naturais, principalmente da biologia.


Também, diz Elias (1994), quando se busca a compreensão dos seres humanos e a sociedade, em uma dimensão psicológica, também nos deparamos com duas correntes antagônicas: (1) o indivíduo é percebido como algo particular em que o estudo de suas funções psicológicas independe de estudar as suas relações com as demais pessoas; (2) na psicologia social ou de massa, não há nenhuma consideração pelas funções psicológicas do indivíduo singular. É comum que os fenômenos sócio-psicológicos sejam demonstrados por dados estatísticos, com apresentação de médias das manifestações psicológicas de muitos indivíduos e sendo divulgadas e percebidas como evidências relevantes na pesquisa psicológica.


A controvérsia em meados do século XX estabelecia-se entre aqueles que acreditavam ser a “sociedade” um meio para atingir sua finalidade, o bem estar dos indivíduos, e os que acreditavam que o bem estar dos indivíduos é menos importante que a manutenção da sociedade que o indivíduo integra, sendo esta, a sociedade, a finalidade da vida individual. Os modelos conceituais apresentados para dar conta de uma ordem social, baseados nesta controvérsia, sempre privilegiam uma em detrimento da outra. Desta forma, o equilíbrio entre, o atendimento das necessidades e inclinações pessoais dos indivíduos e as exigências feitas a cada indivíduo pelo trabalho cooperativo de muitos, em busca da manutenção e eficiência da sociedade, nos parece praticamente impossível. Entretanto, é importante ter consciência de que uma vida comunitária livre de tensões e conflitos só é possível se os indivíduos desta comunidade, em sua totalidade, usufruírem de satisfação suficiente; e, uma existência individual mais satisfatória depende da existência de uma sociedade mais livre de tensões e conflitos.   


Para Elias (1994), o que precisamos são modelos conceituais e uma visão global que possibilite tornar compreensível no nosso pensamento: como os indivíduos se relacionam; como constituem uma sociedade; e como esta se modifica sem que essa modificação seja pretendida e planejada por qualquer indivíduo que a compõem. A reflexão sobre a relação entre indivíduo e sociedade provém de hábitos metais específicos que hoje se acham demasiadamente arraigados na consciência de cada um de nós. Ao invés de pensarmos em analisar o indivíduo e a sociedade como objetos isolados e únicos, é necessário pensar em termos de relações e funções.   


As pessoas de uma sociedade ocupam lugares e funções específicas que não são por elas determinadas. Estes lugares e funções, integrantes de uma forma de vida em comum, são oferecidos ao indivíduo de forma mais ou menos restrita. O complexo funcional de estrutura social ao qual o indivíduo esta inserido desde o seu nascimento limita-lhe desde o seu desenvolvimento até a sua liberdade de escolha. O passado, a história, sua e das pessoas com ele envolvidas, o acompanha em todos os dias de sua vida.


O indivíduo torna-se dependente da rede de funções que integram a complexa estrutura social na qual está inserido, podendo romper com essas dependências somente até onde a própria estrutura dessas dependências o permita. A rede de funções interdependentes que conferem a uma sociedade seu caráter específico por meio de sua estrutura e seus padrões, não é criação de indivíduos particulares, pois cada indivíduo, independente de seu poder, exerce uma única função que é formada e mantida em relação a outras funções, “as quais só podem ser entendidas em termos da estrutura especifica e das tensões especificas desse contexto total.”


Todas as funções interdependentes são exercidas de um indivíduo para outros indivíduos. Em uma sociedade complexa, por decorrência da interdependência das funções individuais, os atos de muitos indivíduos distintos precisam vincular-se, formando cadeias de atos que farão com que as ações de cada indivíduo cumpram suas finalidades. Vivemos em permanente dependência funcional de outras pessoas, formando cadeias que são ligadas a outras cadeias por elos, por outras pessoas. Essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras chamamos de “sociedade”. As estruturas sociais são as estruturas da sociedade. As leis sociais ou regularidades sociais são “leis autônomas das relações entre as pessoas individualmente consideradas”.


O que liga as pessoas à sociedade é a disposição fundamental de sua natureza de depender naturalmente do convívio com outras pessoas, pois é “somente na relação com outros seres humanos é que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo se transforma na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem caráter de um indivíduo e merece o nome de ser humano adulto.” Todo o seu desenvolvimento psicológico depende da estrutura do grupo na qual o indivíduo cresce, da posição que o indivíduo ocupa nesse grupo e do processo formador que ela acarreta. Mesmo que duas pessoas façam parte do mesmo grupo e ocupem a mesma função, suas relações e suas histórias de vida não serão idênticas. “Cada pessoa parte de uma posição única em sua rede de relações e atravessa uma história singular até chegar à morte.” Nas sociedades complexas o grau de individualização é muito maior do que nas sociedades mais simples. 


A constituição que cada um traz ao nascer e, principalmente, a constituição de suas psíquicas é maleável. Uma criança recém-nascida apresenta os limites e as potencialidades em que pode residir sua forma individual de adulto.  O modo com que essa forma se desenvolve nunca depende exclusivamente de sua constituição, mas da natureza das relações entre ela e as outras pessoas. Essas relações, por mais variadas que sejam, são determinadas em sua estrutura básica, pela estrutura da sociedade em que a criança nasce e que existia antes dela. O desenvolvimento da consciência e dos instintos de cada criança recém-nascida está diretamente relacionado com estrutura preexistente de relações em que eles cresçam. “A individualidade que o ser humano acaba por desenvolver não depende apenas de sua constituição natural, mas de todo o processo de individualização.” A formação individual de cada pessoa depende da evolução histórica do padrão social, da estrutura das relações humanas. A uma reestruturação especifica das relações humanas denomina-se de eventos sociais e desses podem decorrer mudanças na formação individual das pessoas.


A historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta é a chave para a compreensão do que é a sociedade. O desenvolvimento psíquico da criança se dá através da relação com seres mais velhos e mais poderosos. Por isto, a individualidade do adulto só pode ser entendida pelas relações que lhe são oferecidas pelo destino e apenas em conexão com a estrutura da sociedade em que ele cresce. Sua marca individual é adquirida através das relações, das dependências e da história de toda a rede humana em que cresce e vive. Toda maneira como o individuo se vê e se conduz em suas relações com os outros depende da estrutura da associação ou associações a respeito das quais ele aprende a dizer “nós”.  


A forma de vida comunitária, a estrutura da sociedade ocidental modificou-se e com ela a influência social sobre o indivíduo e sobre a forma de suas funções psíquicas. Na nossa era a sociedade é apresentada como aquilo que impede as pessoas de realizarem os seus desejos e terem uma vida livre e segura. Dessa forma, cada vez mais o indivíduo cria uma auto-imagem de si separada da imagem da sociedade. Não se vê integrando a mesma e esta se torna uma ameaça a suas realizações e a sua natureza íntima.


A aprendizagem social, ao longo da história e do nosso processo civilizatório, desenvolveu um ideal de ego ao indivíduo, no qual sua identidade está alicerçada na sua capacidade de buscar suas realizações por conta própria e na maior diferenciação possível das demais pessoas que constituem o tecido social no qual está inserido. Suas chances de sucesso estão orientadas pelas suas diferenças entre as demais pessoas e não pela sua identidade fundada na ordem natural, pelas suas semelhanças aos demais. Esse jeito de ser não é uma escolha do indivíduo, algo que ele pode livrar-se, quer concorde ou não com ele. Faz parte do seu aprendizado produzido por instituições sociais e experiências específicas de uma determinada estrutura social.


Parcela das possibilidades de felicidade, segundo Freud, esta ultima baseada na liberdade do homem satisfazer suas necessidades por meio dos seus instintos, impulsos e desejos, foi trocada por uma quantidade de segurança. A felicidade não pode ser percebida como um estado permanente, pois “estar feliz” depende de uma situação de contraste. Com isto, a civilização não alcançará o objetivo por ela traçado e as pessoas se tornam neuróticas frente à quantidade de frustrações que a sociedade lhes impõe.  


Dispor os membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna. A individualização é um destino, não uma escolha. Os homens e mulheres não têm ninguém para culpar de suas frustrações, a não ser a si mesmos. Todos os seus insucessos e suas falhas são decorrentes da ausência ou fragilidade de suas competências e capacidades. Os riscos e as incertezas da vida de cada um precisam ser combatidos por si mesmo. Esta atribuição de individualização é resultado de uma reciprocidade estabelecida cotidianamente entre os indivíduos constituintes de uma sociedade, a partir de suas ações, e a sociedade modelando a individualidade de seus componentes, na rede socialmente tecida das dependências dos indivíduos.             


A liberdade das pessoas pode torná-las indiferentes ao bem comum, uma vez que a defesa dos interesses comuns deixa de ter sentido na medida em que se contrapõe ao interesse do próprio individuo. Segundo Tocqueville, o indivíduo é o pior inimigo do cidadão.


O interesse público, através das mídias, cada vez mais se vê reduzido à curiosidade a respeito das vidas privadas das figuras públicas, limitando a arte da vida pública à exposição pública dos casos privados e das confissões públicas de sentimentos privados (quanto mais íntimos melhor). A forma como os problemas das sociedades são expostos pelas mídias, tendem a provocar no indivíduo uma reflexão sobre a sua incapacidade de exercer qualquer controle sobre as questões sociais do seu entorno e, portanto, na sua incapacidade de promover qualquer intervenção em busca de resoluções. Tanto a televisão quanto as outras mídias de comunicação tendem a destruir o interesse pelos assuntos comuns a todos,  mediante uma constante e incansável banalização e personalização das questões políticas. 


Em Bauman (2008) encontramos que, a sensação de perder o controle do presente leva a um definhamento da vontade política, a uma descrença de que algo importante possa ser feito de forma coletiva ou que a ação solidária possa proporcionar uma transformação mais significativa no estado das relações humanas. Quando as pessoas aceitam a impotência de poder controlar as condições de suas próprias vidas, param de se questionar, a sociedade deixa de ser autônoma, tornando-se heterônoma, dirigida por outros, entrando em uma “época da conformidade universalizada”. 


O indivíduo conformado delega a outros a responsabilidade de intervir na busca de soluções dos problemas sociais, desconhecendo que também é impactado por estes problemas e não reconhecendo sua capacidade de intervenção social. Podemos conceituar a isso de indivíduo alienado? Pode ser, mas, confesso que creio, mais do que em um indivíduo alienado, em sociedades que vivem a alienação não por escolha, mas por um destino construído sócio-historicamente. Talvez aí resida a utopia de uma transformação na ordem social. Mas se faz necessária uma nova percepção do indivíduo de si, dos outros e de suas relações de dependências. Precisamos de uma ponte entre as ciências naturais e as ciências sociais. Segundo Elias (2004) a psicologia constitui esta ponte.    


Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.


 Alienados, uni-vos!
 



 Autora: Ingra Brando Antunes de Oliveira
Estudante de graduação em Psicologia - PUCRS

2 comentários:

  1. Sem dúvida a sociedade influência muito,é ela que determina o certo e o errado,o atual, a marca e sem falar que se você não se encaixa nestes padrões está excluido. Involuntariamente existe a exclusão no meio social.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir